Lembranças de um encontro com São Francisco
O dia 4 de outubro, quando se comemora a passagem do nosso querido Santo Francisco de Assis, é também o natalício da minha querida Sonia, motivo portanto de dupla conexão com essa grande figura da cristandade.
Gostaria de hoje (por sinal dia também do meu aniversário), aproveitar ainda esse resto de energia franciscana que envolve este mês de outubro para falar um pouco desta figura tão inspiradora e importante para meu caminho espiritual, que foi nosso Pai Francisco de Assis. E contar uma história que me aconteceu, salvo engano no ano de 1998, numa viagem à Assisi (Itália) e que ficou gravada de forma indelével na minha memória.
Desde jovem e principalmente no início da minha jornada espiritual, sempre desenvolvi uma grande admiração por São Francisco, que veio a se tornar depois uma sincera devoção. Confesso que nunca fui entusiasta deste culto de devoção aos santos, principalmente quando a Igreja deixou de homenagear os primeiros mártires e ermitões do início da cristandade e estendeu esse culto aos seus despojos de uma forma até mesmo um pouco necrófila, movida por interesses eclesiais e políticos.
Com certeza que muito desses homens e mulheres foram merecedores desta auréola de Santidade, pois pagaram com a vida pelo seu testemunho de fé durante as grandes perseguições do Império Romano ocorridas até o início século IV da nossa Era. Mas é verdade também que a Igreja, no decorrer dos séculos seguintes, introduziu no seu compêndio oficial de santos muitas figuras que não foram necessariamente bons exemplos na Imitação à Cristo, para que merecessem ingressar nesse batalhão celestial...
É justamente por isso que a figura de Francisco se destaca, por ter sido talvez aquele que mais se aproximou desse ideal. De uma forma tão apaixonada e radical que, talvez pelos valores do nosso mundo atual, fosse suspeito de algum distúrbio psiquiátrico. O que só prova como o projeto do Reino de Deus proclamado pelo nosso Mestre continuou sendo algo tão difícil de realização até os dias de hoje. Pois a vitória sobre o apego, o egoísmo, a prática da compaixão, o amor pelos excluídos continuam sendo metas alcançadas plenamente apenas por uns poucos loucos de Deus, como Francisco e seus primeiros companheiros.
Portanto, após uma gira pela Europa visitei pela primeira vez Assisi, a convite da minha querida sorella Tizziana. Eu reservara três dias antes de começar nossa agenda de trabalhos e reuniões para fazer uma pequena peregrinação pela cidade de Assisi, que visitava pela primeira vez. A casa dela, sede da nossa Igreja Regina della Pace, era uma linda herdade, um antigo mosteiro reformado que data do século XVIII e que está situada no caminho que o Pai Francisco fazia sempre da Ermida de Santa Maria del Angelle até o convento de São Damiano, onde morava sua amada Clara.
Na minha primeira noite, da janela do meu quarto, eu tinha uma vista iluminada das cúpulas douradas da grande Basílica que fora construída em volta da antiga igrejinha da Porciúncula, onde Francisco iniciou seu ministério. Fui tomado de uma grande emoção e passei a noite em clima de grande fervor espiritual, relembrando passagens das Legendas sobre a vida de São Francisco, escritas logo após a sua passagem pelo Frei Tomas de Celano.
No amanhecer do dia seguinte, munido de uma garrafinha de um Santo Daime 3x1 muito especial, iniciei minha peregrinação pela igrejinha da Porciúncula. Como tudo na história da Igreja Católica, temos que entender essa mistura de tanta história maravilhosa de fé, amor e compaixão, com algumas passagens mais obscuras que infelizmente foram crescendo a partir da sua oficialização como religião de Estado. Falo particularmente da pompa e o luxo do Papado durante a Idade Média. Foi justamente contra isso que Francisco mais lutou e é realmente triste ver como ele sofreu no final da sua vida ao entender que sua Bula e seu carisma tinham sido apenas cooptados pela engrenagem eclesiástica.
E assim os dias foram transcorrendo, alternando passeios, caminhadas, mirações e meditações pelos diversos sítios franciscanos espalhados pela cidade. No último dia das minhas “férias”, depois de consumida quase toda a minha garrafinha de 3 x 1, subi até o Eremo dele Carcere, bosque onde Francisco e seus seguidores de primeira hora viviam nas cavernas para alguns períodos de meditação. Ali temos ainda a árvore onde a tradição diz ter Francisco pregado aos pássaros.
Foi nesse passeio que aconteceu uma dessas estórias que São Francisco costuma aprontar comigo (são várias!) e que eu gostaria de contar para vocês. O Ermo é um lugar belíssimo, coberto de vegetação centenária, de onde saem várias trilhas, com muitas placas de referência a diversas passagens da vida do Santo e seus companheiros. Lugar ideal, portanto, para uma boa meditação caminhando, que eu tanto aprecio. Num certo momento, consagramos uma dose do Santo Daime e o grupo que me acompanhava, a Tiziana e outros membros da igreja se separaram, a fim de que cada um procurasse um canto para meditar. Perambulei ali por aqueles caminhos, desci até a cova onde morou frade Leone (grande companheiro do santo) e com quem também me identifico muito, subi novamente para o caminho principal, até que encontrei uma trilha bem íngreme que descia e de onde era possível avistar uma espécie de fenda deste lado do monte Subásio. Vi que havia duas placas: uma que não cheguei a ler e outra que avisava que aquele caminho estava interditado para obras.
O lugar era isolado e atrativo, a miração estava chegando forte e eu disse para mim mesmo: “-Vou me aquietar por aqui!” Foi justo o tempo de descer até uma espécie de platô mais abaixo. Fui imediatamente atraído para uma pedra que tinha uma linda visão da fenda da montanha e de onde se divisava a paisagem lá embaixo, no vale.
Enfim a miração chegou e eu fiquei inebriado, sentindo aquela energia espiritual que raramente encontrei em outros lugares por onde fiz esse tipo de peregrinação enteógena. Os pássaros cantavam e uma brisa suave, que vez ou outra se tornava mais forte, trazia uma frescura no ar e convidava a miração a visitar a memória Akashica daquele lugar. Quando a força amenizou um pouco, puxei da minha mochila o exemplar da Legenda do Santo que levara comigo. Abri aleatoriamente numa página e me lembro de que era um trecho onde se falava de alguma passagem de Francisco com o Vento e a Natureza. Procurei depois o Cântico das Criaturas e me deti na seguinte estrofe:
“Louvado sejas meu Senhor, pelo irmão vento/ E pelo ar e pelas nuvens e pelo sereno/ e por todo tempo/pelo qual às tuas criaturas dás sustento”
Que experiência maravilhosa! Que coincidência incrível! Cheguei a pensar: “-Ele deveria ter sentido algum dia, em algum lugar aqui próximo, essa profunda conexão com o Irmão Vento para se inspirar!”. Por mim, acho que poderia passar todo o dia ali com essa sensação inexplicável de júbilo. Mas tinha combinado de me reunir novamente ao grupo. Subi a trilha de volta até o caminho principal. E quando cheguei lá em cima, qual foi minha surpresa quando me dei conta da outra placa que estava meio escondida e que não tinha lido na descida. Nela estava escrito: “Sentiero Frate Vento!”
Fiquei muito impressionado com essa sincronicidade. Na noite desse mesmo dia, abrimos nosso primeiro trabalho espiritual na Igreja. Foi um trabalho de Mesa Branca muito forte. Ao final, ainda mirando, saí da igreja para um pátio mais abaixo, onde se descortinava uma linda vista das muralhas da cidade antiga de Assisi, encravada na encosta do Subásio. Era uma linda noite de Lua cheia. Na miração, ela se tornou uma coroa dourada, era como se representasse a coroa de santidade de São Francisco, uma joia pontificando aquele cenário como um patrimônio da Eternidade. Naquele momento comecei a receber o Hino: “Na lua sobre Assisi/ Eu vejo o Seu semblante/Sua Santa Pobreza/Brilha como diamante”
11 de outubro de 2023.
Alex Polari de Alverga
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