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História de Um Homem
da Floresta
Estamos disponibilizando aqui o relato de Lúcio Mortimer sobre a
vida do nosso Padrinho Sebastião Mota de Melo.
Capítulo 1 - 1ª Parte
O Seringal Monte Lígia
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No final do século passado e no começo deste, a borracha nativa da Amazônia
fez a fortuna de muitos aventureiros: os seringalistas.
A região
do Alto Juruá, acima de Eurunepé, foi explorada e dividida em três grandes Seringais,
comandados por famílias de espanhóis, portugueses e italianos.
Os
espanhóis, liderados por João Caetano Gomes, abriram o seringal "New York"; os
portugueses "Washington" e os italianos o "Reconquista".
Dos três,
foram os italianos que melhor trabalharam, pois se dedicaram também à lavoura. Grandes
plantios de cana eram transformados em açúcar e mel para consumo da região. Porém o
grande lucro de todos era a borracha.
Enquanto
isso, os ingleses ocupavam-se em carregar milhares de sacas de sementes da melhor
seringueira amazônica, para plantios no Oriente. Quando os plantios da Ásia começaram a
produzir uma borracha superior a custos muito baixos, os seringais da Amazônia entraram
em colapso. Quem pôde correr, correu, mas boa parte do povo ficou assim mesmo, vivendo o
tempo das "vacas magras". Os seringais foram vendidos por bagatelas.
Duas
grandes famílias de cearenses vieram para a região. Os Mota de Melo ficaram com o
seringal "Washington" e o rebatizaram com o nome de "Monte Lígia". A
família de José Maciel, conhecido como Zé Malunga, ficou com o seringal
"Reconquista" mas achou melhor colocar o nome de seringal "Adélia".
Foi em 7 de
outubro de 1920 que nasceu no seringal Monte Lígia o menino Sebastião Mota de Melo,
filho de Seu Manuel Mota e Dona Vicença.
A vida ali
era bem dura para uma criança. Longe do conforto da cidade, sem escolas, nem mercearia,
nem farmácia. Porém tinha outras compensações. Uma exuberante e misteriosa floresta e
nela um mundo a conquisatar.
Assim,
Sebastião, que desde cedo se revelara um garoto perspicaz, cheio de coragem e vontade de
aprender, começou a desvendar os segredos da floresta. Caçar e pescar era básico para a
sobrevivência. Ele andava na mata atento. Logo aprendeu a distinguir as
"veredas" de paca e tatu e dizia com precisão: "o veado passou hoje por
aqui", "a anta está frequentando aquela comida", ou então se arrepiava de
susto com o esturro de uma temível onça pintada, ainda que num eco distante.
O caudaloso
Rio Juruá, pródigo em peixes, era outra fonte de estudo e mistérios. Ouvia-se estórias
do boto encantado que seduzia crianças e moças, também de imensas cobras sucuri, a
sucuriju, que alagava a canoa impiedosamente para abocanhar o almoço humano depois do
abraço fatal.
Próximo do
seringal Monte Lígia viviam os índios e contavam para as crianças casos de pajés que
viravam mapinguari; do curupira, montado no porquinho catitu. Este era um indiozinho
encantado, que entre outros detalhes tinha o pé virado para trás e andava vigiando a
mata e castigando o caçador que fizesse malvadeza com os bichos.
Sebastião
foi crescendo e na floresta estava a maior parte de seu mundo. Quando saia numa caçada
sempre voltava com o fardo nas costas e o alimento de todos. Era inigualável na pesca com
a linhada, com tarrafa, com arpão ou no arco e flecha.
Com coragem
e respeito pela forte natureza, foi se formando homem, até que no mundo explodiu a
Segunda Guerra e os plantios de Seringueira do Oriente cairam em poder dos japoneses. A
borracha era um item essencial de guerra e assim as forças aliadas voltaram as vistas
para os antigos seringais nativos da Amazônia. Para o jovem Sebastião um novo tempo se
aproximava...
CONTINUA
Obs: Até o ano de 1944, os relatos são narrativas. A partir desta data os relatos
serão baseados em depoimentos de contemporâneos.
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