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"VEJA" quer proibir o uso
ritual da ayahuasca no Brasil
(Revista Veja, 13/09/2000 - ano 33 - n. 37)
Reportagem de Ricardo
Galhardo critica governo brasileiro por reconhecer direito de liberdade religiosa aos
daimistas e outros grupos ayahuasqueiros
A revista
"Veja" publicou, em sua edição do dia 13 de setembro de 2000, matéria sob o
título "O barato legal", onde o jornalista Ricardo Galhado critica abertamente
o governo brasileiro que adotou atitude de respeito ao culto religioso em torno da milenar
bebida amazônica a ayahuasca.
O artigo poderia ter sido útil se a
intenção fosse aprofundar denúncia sobre o mercado negro, ou seja, a comercialização
do chá fora de seu contexto ritualístico-religioso. As instituições autorizadas a
utilizar a bebida sacramental têm todo interesse em eliminar este tipo de contravenção,
que para nós, daimistas, significa um desrespeito. Neste caso, a revista estaria
cumprindo um dever social da imprensa.
O texto, no entanto, prefere apelar para a
ironia e a chacota com a nítida intenção de "formar" deturpadamente a
opinião de quem não tem conhecimento direto sobre o trabalho desenvolvido pelas igrejas
do Santo Daime e pelos outros conhecidos centros ayahuasqueiros. Exclusivamente com este
intuito, o repórter recorre a informações cuja qualidade é baixíssima, para dizer o
mínimo, e de um estilo pobre e visivelmente contrário aos princípios do respeito à
liberdade de culto e às diferenças religiosas.
Citar um estudo recentemente encomendado a um
psiquiatra (acesse a resposta do mesmo à "Veja") como algo determinante à
posição do governo brasileiro é ignorar completamente o processo de legalização monitorado
pelo CONFEN (hoje, SENAD) ocorrido de 1984 a 1986. Considerando a complexidade do assunto,
os conselheiros (da época) recomendaram a realização de estudos interdisciplinares que
incluiram inúmeras visitas às comunidades daimistas brasileiras para averiguação dos
indicadores psico-sociais de qualidade de vida. Para melhor informação do autor da
matéria de Veja, nada foi encontrado por estes especialistas que pudesse desabonar o uso
ritual do chá por aqueles grupos. Ao contrário, vários pesquisadores declararam sua impressão positiva com o que
puderam registrar nestas visitas.
Talvez pouco habituado a fazer jornalismo de
reportagem, investigativo, aprofundado, e buscar melhores referências para sua matéria,
o senhor Galhardo preferiu manifestar sua indignação pessoal contra a mobilização de
renomadas instituições e pessoas para a libertação de dois brasileiros, moradores da
floresta amazônica, presos na Espanha sob a acusação de estarem portando 10 litros do
sacramento Santo Daime . Para o repórter seria absolutamente natural e justo que estes
senhores estivessem até hoje encarcerados, juntamente com traficantes do cartel de
Medelín. Sua contrariedade com o fato do Santo Daime obter respaldo de setores
importantes da sociedade o faz até perder a paciência ("daime paciência"), e
pode-se perguntar quais serão os reais motivos de tanta "galhardia" no ataque
aos princípios de uma minoria religiosa de seu próprio país.
Neste contexto, talvez seja interessante
mencionar relatório do "Observatoire Géopolitique Des Drogues", que
analisa a recente repressão ao uso ritual da ayahuasca na Europa como uma "ação
orquestrada". Tal relatório destaca que o Daime já está presente na
França, por exemplo, há mais de 10 anos. No entanto, o fato dos preceitos da doutrina
condenarem o proselitismo faz com que o número de adeptos mantenha-se muito reduzido
(abaixo de 500 em toda a Europa). Segundo o citado relatório, fontes próximas à
embaixada do Peru em Paris informam que esta campanha contra a ayahuasca seria resultado
de pressões dos Estados Unidos sobre seus parceiros europeus.
No momento em que existem processos de
legalização do uso ritual da Ayahuasca em andamento na Holanda, Espanha e Estados
Unidos, a posição de vanguarda do governo brasileiro no assunto é um incômodo às
elites conservadoras internacionais. É difícil saber se os motivos desta ação contra a
ayahuasca têm raízes exclusivas na histeria anti-"drogas", ou se disputas
econômicas relacionadas a patentes e legislação sobre proteção à biodiversidade
estão mobilizando interesses poderosos em torno da questão. Cabe lembrar que o governo
norte-americano permite o consumo do peyote nas cerimônias sincréticas dos indígenas
pertencentes à Igreja Nativa Americana o que constitui um paralelo bastante
aproximado à situação brasileira do Santo Daime.
Enfim, resta lamentar que a revista de maior
circulação no país abra espaço em suas páginas para uma tal demonstração de
leviandade jornalística. Rogamos pelo dia em que os profissionais da comunicação tenham
maior consciência de sua responsabilidade social, cuidando para que sua liberdade de
expressão não atropele e mate liberdades alheias.
José Murilo
Santodaime.org
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