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Seriam os Deuses Alcalóides?
Alex Polari de Alverga

V. O Contexto Ritual da Miração

No movimento religioso do Santo Daime existem diversas modalidades de ritual: concentração, cura, feitio da bebida, estudo e desenvolvimento mediúnico e as festas dos hinários, que é a forma que nos deteremos mais aqui.

No hinário, dentro de um amplo salão na forma de uma estrela de seis pontas, se perfilam os batalhões masculino e feminino, e dos rapazes e das moças, cada um com seu setor de base. Os neófitos, idosos, senhoras e crianças, ficam sentados mais ao fundo. O sacramento enteógeno é distribuído, todos entram em fila e começa o bailado ao som dos hinos, que são cantos que os mestres e outros membros mais avançados da irmandade recebem por ocasião da miração, sendo desta forma considerados ensinos divinos, mensagens do poder do Daime para todos e não apenas para quem o recebeu. Todos cantam e bailam dentro de um retângulo de aproximadamente 80 cm. de comprimento. Cada um porta um maracá para acompanhar o ritmo do bailado. A perfeição do trabalho está na harmonia da música, no ritmo e no canto. A jornada começa no entardecer da data marcada e vai até o nascer do dia da manhã seguinte. Todo este dispositivo, predispõe seus participantes a terem uma atitude receptiva e segura em relação aos efeitos da bebida sacramental. Isto ocorre poucos minutos após sua ingestão. A consciência passa a perceber pessoas e objetos como portadoras de uma aura de leve irridescência. Logo depois sentimos uma pressão, o pulsar da energia dentro e fora do corpo, propagando-se em ondas concêntricas como uma pedra lançada na superfície de um lago. É a chegada daquilo que chamamos "Força", a propriedade ativa do cipó, componente masculino da bebida cerimonial. O bailado e o ritmo dos maracás condensam cada vez mais energia, se constituindo também em indutores auxiliares do transe xamânico. É nesse ponto que a luz costuma chegar. A luz, o princípio feminino da folha, quando se casa com a força, o princípio masculino do cipó, gera a miração. Espoucam luzes, ouvimos zumbidos eletrônicos e o barulho de matracas. Suavemente ela se instala e nos transporta para o reino das visões. Progressivamente o nível de consciência se eleva para patamares mais elevados, tanto individual como grupalmente. Esse reservatório comum de energia psíquica e espiritual, denominamos de "corrente", que é quem sustenta o vôo individual de cada um na miração e a beleza do conjunto. Quando isso ocorre, nosso campo visual se altera, aparecem luzes, imagens, sensações, lembranças, insights e visões. A intensidade do momento interior da viagem de cada um se expressa na força da corrente. Qualquer piscar de olhos altera o fluxo das imagens. É como se em nossa mente, um diafragma regulasse a entrada da luz e um zoom nos aproximasse dos ângulos mais desconhecidos do universo.

Dependendo do desenrolar do ritual, a corrente facilita ou dificulta a miração, sendo possível em determinados momentos, uma vivência coletiva da mesma visão, o que se constitui o ponto culminante do trabalho. Durante esse longo percurso, o eu se desdobra no astral, evoca e soluciona alguma situação cármica pendente, canaliza a energia para realizar uma cura nele mesmo ou em outro, obtém insights reveladores e libertadores para seus conflitos e é tomado por toda sorte de inefáveis estados de percepção mística, compreensão do universo, amor pelos seus irmãos, premonições e sincronicidades. Ao final de todos esses estágios, encontra-se sempre aberto à possibilidade do êxtase total e beatífico. Tudo isso, é bom que se diga, se processa em íntima conexão com a música, o canto, a dança e o ritmo dos maracás. A barquinha singra as ondas do mar sagrado da mente embalada pelo hinos que guiam a nossa travessia. Durante esta, os hinos tem o poder de responder a todas as questões que a nossa consciência coloca no exato momento em que elas são formuladas.

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