Seriam os Deuses
Alcalóides?
Alex Polari de Alverga
III - Fronteiras entre o
Psíquico e o Espiritual
O cenário onde esta busca da união mística se desenrola é a
consciência. A consciência é uma forma da verdade. Pode ser definida também como um
nível de realidade interior, já que é através dela, que reconhecemos os nossos
próprios atos e sentimentos. Numa outra acepção ela é a testemunha interna, que
permite que o ser possa ser provado através da existência, compreendido pelo
conhecimento e gozado na bem-aventurança.
A grosso modo, os níveis básicos de consciência são: o de vigília,
sono com sonhos, sono profundo e desperto. Nos deteremos aqui neste quarto estado, que é
a matriz para as formas mais elevadas de consciência e de experiência mística. Existe
uma grande variedade de termos para denominar esses estados místicos: consciência
cósmica, visionária, xamânica, transpessoal, iluminação, auto-transcendência,
consciência objetiva, etc. Ou para usar uma terminologia mais mística: o êxtase e a
graça cristão, o satori zen, o samadi da Jnma Yoga, a fana sufi e a
"miração" da tradição daimista que nos deteremos mais adiante.
Por outro lado, a consciência representa uma espécie de zona mental
onde se percebe as diversas dimensões, mundos e planos da realidade. Seus eventos são de
uma outra ordem de realidade mas sem que, por isso, eles percam sua veracidade. Na
definição do grande místico esotérico-cristão Daskalos, a consciência ou mente
sagrada, pode alcançar desde a percepção tridimensional do mundo material, passando
pelas quatro dimensões do mundo psíquico, até o plano noético que é o plano dos
pensamentos, estreitamente associado ao psíquico. Daí para frente, existem estados de
consciência que apenas podem ser imaginados ou intuídos pela consciência humana, pois
estão além dos "mundos de separação", onde reina o espírito e os mundos de
pura espiritualidade. Podemos portanto dizer que o nível psico-noético de consciência
seja uma zona intermediária, um posto de fronteira, que delimite de uma maneira tênue as
diversas categorias e eventos de ordem psíquica da experiência e realização
espiritual. E que eventos serão esses que podem ser definidos no horizonte de uma
genuína experiência mística? Comparando-se as descrições bíblicas de Ezequiel,
Daniel, os relatos de Plotino, São Paulo, Rumi, Eckhart, João da Cruz, Kabir,
Ramakhrisna, os resultados recentes das pesquisas feitas com LSD e mescalina e as atuais
testemunhos sobre os estados induzidos de consciência xamânicos, chega-se a
coincidências impressionantes entre o caráter dos estados de consciência alcançados, o
que nos permite traçar um quadro bem completo das principais características do
fenômeno místico. São elas:
- inefabilidade, incapacidade de narrar em palavras os primores alcançados
com toda sua riqueza de visões e sensações;
- caráter irretorquível das verdades vivenciadas, o que pressupõe uma
grande potencialização do dom da intuição;
- sensação de unicidade;
- experiência subjetiva de fusão do Eu no universo;
- transcendência do tempo e do espaço, sensação de emergir
beatificamente no Eterno Agora;
- sensação de profunda positividade frente à vida;
- reconhecimento da sacralidade do caráter divino da experiência obtida;
- aumento do poder de concentração e cognição;
- sensação de conforto e estímulo moral para desempenhar as instruções
recebidas;
- insights reveladores e valiosos para o solucionamento de conflitos
internos;
- reverência e humildade frente ao desconhecido, serenidade frente a
aceitação da morte e a compreensão desta como uma transição para uma vida
desmaterializada e de pura consciência;
- predisposições de altruísmo e abnegação;
- visualização da linguagem.
Todas essas referências se encontram combinadas em maior ou menor grau
nos estados alterados de consciência e se constituem em autenticas revelações
místicas. Sejam elas naturais, espontâneas ou induzidas por meio de tambores, mantras ou
enteógenos. Dependendo da intensidade de tais experiências, elas podem alcançar o seu
ápice, que é a sensação de fusão do Eu com o Absoluto, a "unio mistica"
por excelência. Seria ingenuidade supor que uma tal gama de fenômenos, com tantas
repercussões psicológicas, éticas e sociais relevantes, possam ser interpretados como
mera regressão infantil (mesmo que benéfica ao ego), ou o que seria pior, um tipo de
"degenerescência positiva" de um estado psicótico.
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