O Aspecto Messiânico e Escatológico
A perspectiva de trabalhar não só para ser um filho de Deus, mas também de arregimentar um povo para Deus, implica em analisar os elementos escatológicos e messiânicos da Doutrina do Mestre Irineu e do Padrinho Sebastião. Como sabemos hoje, o cristianismo foi um fermento que se alastrou rapidamente num período de transição denominado inter-testamentário, entre os dois testamentos, quando fervilhavam seitas e textos de caráter mais ou menos sectários e que davam grande realce ao próximo advento da era messiânica. Nessa era se acreditava que fosse re-estabelecida a ordem divina no mundo e o futuro espiritual da humanidade em conformidade com as promessas dos profetas e avatares. Esta parece ter sido também a expectativa dos primeiros apóstolos do movimento cristão até que Paulo os libertasse de uma interpretação meramente literal da chegada do final dos tempos e escrevesse a sua famosa Epístola aos Tessalonicenses.
Na carta, ele alerta todos os irmãos das comunidades e igrejas espalhadas por ele na Ásia Menor, para que não fiquem de braços cruzados esperando o fim do mundo, e que ao invés disso, todos trabalhassem pelo seu próprio sustento e pela difusão da Doutrina. Hoje em dia, à luz das recentes descobertas do Mar Morto, tanto a teologia de João Evangelista quanto a de São Paulo, mostram uma grande influência de certos textos atribuídos aos essênios, de onde o cristianismo primitivo herdou muito dos seus aspectos messiânicos e escatológicos.
Seguindo a mesma linhagem e experiência dos cristãos dos primeiros tempos, o tema do fim dos tempos da Parúsia, ou da nova vinda do Senhor, também está bastante presente na obra e na palavra de Sebastião Mota. Na palavra, através de várias referências que ele faz em seus hinos e no decorrer das instruções deste livro. E na sua obra, através da energia material e espiritual extraordinária que ele empregou para viabilizar o projeto de uma comunidade espiritual e auto-sustentável na floresta, como uma alternativa para os rigores dos tempos vindouros anunciados.
Da mesma forma que São Paulo, Sebastião Mota não quer ninguém de braços cruzados esperando pelo Apocalipse. Ele nos quer renascidos e despertos, aspirando pela vida espiritual, unidos com os irmãos, cumprindo nossas obrigações e deveres sociais na batalha da sobrevivência do dia-a-dia.
Quando sua face resplandecia para falar de temas proféticos, nos causava uma forte impressão. Mas em nenhum momento nos sentíamos diante de um tom sombrio e lamuriento do anúncio de um Armagedon pela boca de um pastor fundamentalista, que encara o final dos tempos como o produto de uma exacerbação monoteísta de um Deus rancoroso e vingativo. Para ele, pelo contrário, esse acontecimento era a concretização da antiga promessa, o prenúncio do retorno de quem vinha sendo esperado e acalentado pacientemente pela fé de todos os grandes santos, mártires e profetas. Um evento que ninguém sabe, ao certo, como e quando acontecerá. Um fim que, na verdade, é um novo começo que marcará uma nova intervenção de Deus na história .
Sebastião Mota nos alertava para o significado espiritual das profecias. Mas também acreditava, como São Paulo, que não deveríamos nos descuidar da base material de um reino onde Deus, se quisesse, viria habitar na Terra juntamente com seus filhos, no cumprimento da antiga promessa. Por isso tudo, é que ele nos exortava constantemente a não descuidar dos nossos plantios de macaxeira e de todo o tipo de alimento, que preservássemos as nossas sementes, produzíssemos nossas roupas e que, principalmente, abandonássemos a ilusão .
Em algum ponto houve um desvio de rota, e é preciso voltar ao ponto de partida, saindo da dependência de um tipo de vida viciada e consumista para criar alguma coisa nova, o que ele resumia na frase: Nova vida, novo povo, novo homem e novo sistema. O homem novo precisa tomar uma nova atitude e entrar de posse do seu Eu Superior. Assim ele poderá compreender que faz parte de seu destino a possibilidade de viver num paraíso, sem as tais invenções destruidoras. Ser um protagonista consciente da construção da nova vida, tanto material quanto espiritual. Não devemos abandonar a perspectiva da vida material até mesmo porque a busca de realizá-la com perfeição, assim como nossos deveres familiares e sociais, também nos habilita a alcançar a perfeição espiritual.
Sebastião Mota dizia que, por ele, já tinha acabado esse negócio de mal. Era só Deus querer, que a verdade se plantava assim de uma hora para outra. Ele tinha também a esperança de um dia pisar no batente e desmanchar todo tipo de reino à toa. Sentia uma grande compaixão por seus irmãos que viviam uma vida quase miserável, abandonados na beira dos igarapés. Refletia sobre as dificuldades dos seringueiros, povo do qual ele mesmo fazia parte. Sofria com a devastação da floresta, sinal inquietante que só confirmava aos seus olhos a verdade dos antigos ditos, onde se dizia que, nos tempos vindouros muito colhia nada, quando antigamente, nos tempos passados, pouco colhia muito. Mas costumava dizer também que mesmo o pouco com Deus era muito e o muito sem Deus era nada. Por isso agradecia a Deus de coração, porque hoje nós ainda temos o arroz e o feijão para comer, dividir com os amigos e ajudar os necessitados que nem isso têm. Concluía dizendo que não estava atrás de dinheiro do ninguém. O que ele queria era arroz, feijão e amigos. E se Deus viesse, conforme as profecias, mudar novamente as regras do jogo no interior da história humana, ele estaria preparado e bem acordado.
Não há dúvida de que Sebastião Mota tinha uma plataforma escatológica bastante sensata. Segundo ele, a instrução que recebera era para que o povo de Deus que ia sendo colhido pelo sacramento do Daime se postasse em seus acampamentos e locais apropriados, numa ênfase à união comunitária e à congregação santa que lembram os preceitos dos antigos terapeutas e essênios que viveram no deserto. Esta é a chamada que está sendo feita nos tempos de hoje. Isso porque a voz do Espírito da Verdade, que outrora clamava no deserto, está nos chamando novamente do interior da floresta, em pleno final do milênio.