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Céu do Mapiá - a capital do Daime na floresta
Fundada há vinte e três anos, o pequeno acampamento que se resumia a casa grande do Padrinho Sebastião, a oficina de tecer palha de caranaí e o armazém onde se estocava o arroz, o feijão e a farinha, se tornou uma vila comunitária que conta hoje com quase oitocentos habitantes.

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Nossa comunidade, prestes a fazer 23 anos de existência está no momento em processo de grande efervescência de idéias, projetos e realizações concretas.

Além de ser a, a capital do Daime -como dizia o patrono e fundador da nossa Igreja- Sebastião Mota de Melo, a Vila Céu do Mapiá se tornou também o núcleo administrativo da Floresta Nacional do Purus e o segundo maior assentamento populacional do município do Pauini.

Centro de peregrinação da nossa tradição religiosa, campus avançado de diversas iniciativas sociais e projetos ambientais, a comunidade representa hoje uma experiência pioneira em termos de assentamento comunitário na Amazônia e uma referência cada vez mais importante para a procura de um modelo de vida sustentável, que inclui atividades nas áreas reflorestamento, plantios de jagube e rainha ( espécies sagradas com as quais se produz o sacramento), agro-florestas, agricultura ecológica de praia, pesquisas com fito-terápicos, artesanatos diversos, etc.

A comunidade ocupa uma área de aproximadamente 800 ha e que corresponde a aproximadamente 0,003% da área de 250 000 ha da Floresta Nacional do Purus, ocupada pela comunidade.Deste total, a maior abertura é onde está localizada a área urbana da Vila. O restante se espalha ao longo das duas margens do igarapé Mapiá . São as colônias ou colocações onde a maior parte das famílias desenvolvem uma agricultura de subsistência, fruticultura e alguma criação de animais.

A origem deste povoado e do povo que lhe deu origem remonta até a chegada de Sebastião Mota de Melo `aquela área. Em torno da sua figura carismática, com suas longas barbas patriarcais é que os primeiros seguidores, homens simples e rudes do campo foram atraídos.

Sebastião Mota ou Padrinho Sebastião, como era chamado,nasceu no Vale do Juruá. Foi mateiro,seringueiro, caçador, pescador,agricultor, artesão de canoas e analfabeto. Desde muito cedo despertou para as coisas espirituais.Era conhecido como o Doutor do Juruá. Depois de chegado a Rio Branco, foi procurar sua cura nas mãos do Mestre Irineu.Depois que a obteve, freqüentou o círculo íntimo do Mestre, de onde saiu para fundar a sua própria Igreja, na Colônia Cinco Mil nos arredores da cidade de Rio Branco.


O Padrinho era um grande companheiro.Um homem que ensinava com grande amor e doçura.Que trabalhava ombreado com todos.Era o primeiro a chegar e o último a sair nos mutirões, plantios e colheitas.

Da mesma forma como acolheu seus caboclos de primeira hora,recebeu também, com especial carinho, os jovens buscadores que no final dos anos setenta e início dos 80 batiam `a sua porta.Eram os remanescentes do movimento da década passada que, influenciados pelos hippies,Che Guevara,orientalistas e experiências com plantas alucinógenas, que aportavam então pelas cercanias da cidade de Rio Branco, capital do recém criado estado do Acre, terra de adoção ao Mestre Irineu e berço da doutrina do Santo Daime.

Eles terminavam encontrando não viagens psicodélicas mais genuínas experiências e visões espirituais, que ocasionavam muitos conhecimentos, curas e transformações profundas, com efeitos práticos e positivos na vida de muitas destas pessoas.
No começo da década de oitenta, Sebastião Mota cansado do desgaste e da limitação das terras da colônia Cinco Mil, a proximidade da cidade e segundo ele, seguindo instruções espirituais que já tinham sido anunciadas pelo próprio Mestre Irineu, resolveu se deslocar com seu povo ainda mais para dentro da floresta, no local denominado Rio do Ouro.

Este episódio, com a transferência de dezenas de famílias para um local virgem, de dificil acesso, onde grassava a malária e dificuldades de alimentos, até que os roçados produzissem, se constitui numa verdadeira saga anônima moderna repleta de episódios épicos.
Depois de mais de dois anos de luta e problemas fundiários, levaram o Padrinho a mudar novamente de lugar.Novos sacrifícios e esforços, desta feita com o apoio do INCRA, fizeram que a comunidade fosse novamente instalada, desta feita quase nas cabeceiras do igarapé Mapiá , afluente pela margem esquerda do Rio Purus.

Para lá se transferiu, mais uma vez, a sede da nossa tradição religiosa e do nosso movimento social e comunitário.No começo uma casinha de paxiúba coberta de palha de caranaí. Alguns anos depois, uma imensa igreja na forma de uma estrela de seis pontas, que juntamente com a cruz de Caravaca(de braço duplo) são os nossos principais símbolos.Hoje, esta sede da Igreja do Culto Eclético da Fluente Luz Universal Patrono Sebastião Mota de Melo já está em vias de sofrer uma ampliação.

A Vila Céu do Mapiá foi o resultado mais evidente desta síntese cultural e espiritual. É hoje uma vila cosmopolita, consolidada nas décadas de 80 e 90 e para onde anualmente afluem peregrinos de todo o mundo.Local realmente singular, onde praticamente toda a população consagra a mesma religião, no caso a doutrina enteógena cristã do Santo Daime que tem como fundamento a milenar bebida sacramental ,a Ayahuasca, re-batizada pelo Mestre Irineu com o nome da Santo Daime.

Mas além deste eixo religioso, a comunidade também enfrenta um grande desafio.Este povo que o Padrinho reuniu no meio da floresta amazônica para levar em frente uma vida espiritual, por mais simples e natural que fosse, também tinha que dar conta, além da sua sobrevivência material , de um modelo de comunidade solidária e auto-sustentável.

E olhem que a importância que o Padrinho dava, para o termo auto-sustentável, hoje tão em voga, era bem radical. Isto por que ele nos alertava para os anúncios escatológicos e messiânicos dos antigos profetas e afirmava que o Daime confirmava, em suas visões espirituais, muitas destas profecias.O que era motivo suficiente para que todos devessem ficar alertas mas sem nunca deixar de plantar muita macaxeira e se preparar para o futuro. Pois ainda segundo ele, podia ser que este fim do mundo anunciado não fosse tão fim do mundo assim mas sim o fim de muitas coisas ruins que precisavam se acabar para que o novo mundo , nova vida e novo sistema pudessem chegar.

Deste esforço nasceu nossa comunidade, que depois se tornou uma Vila e hoje é quase uma cidade.Para gerir esta realidade social complexa, foi criada em 1987 a Associação de Moradores da Vila Céu do Mapiá e dez anos depois, o Instituto de Desenvolvimento Ambiental Raimundo Irineu Serra, o IDA/CEFLURIS. Posteriormente outras ONGs foram criadas, como o CMF (Centro Medicina da Floresta), a Santa Casa, os Guardiões da Floresta, a APROBIM, a APROMIM,o Núcleo da Cachoeira etc.

Estas organizações sociais tiveram recentemente a oportunidade de passar por um plano de desenvolvimento comunitário, quando através de um projeto com a WWF/Amazônia, Instituto NAWA e Instituto Maturi, estiveram durante um ano e meio formulando dentro de um amplo processo participativo com toda a população, um projeto global para a comunidade, que servirá de base para o Plano de Manejo da Floresta Nacional do Purus, que foi criada em 1989, quando já estávamos lá, autorizados pelo próprio INCRA.

Nesta medida lá estão sendo feitos diversos projetos e experiências de manejo florestal não madereiro, estudos que viabilizem um manejo madereiro certificado para uso comunitário, agricultura ecológica nas praias dos rio Purus, agro-florestas, estudos de florais,tele-centros de inclusão digital, etc.

Não são pouco os desafios.E também os erros que devemos superar para que este ideal consiga se realizar de acordo com o sonho profético do seu fundador.Mas estamos trabalhando e lutando muito para que mais na frente este ideal seja viável e que nossas instituições possam se aperfeiçoar cada vez mais para dar o suporte que ele precisa para ser legado `as gerações vindouras.

Este nosso ideal, luta hoje com televisão, com a globalização, a lógica do mercado, com a carestia, com a corrupção, com a carência educacional da nossa juventude,com a violência contra as minorias e a desconfiança com o novo.Igual como ocorre em todo lugar do mundo.Com a diferença que comungamos um sacramento que amplia nossa consciência e nossa conexão espiritual .E uma doutrina que nos ensina que, para sermos homens verdadeiros, devemos dar provas daquilo que afirmamos ser.Este já é por si só um bom motivo para tentar vivermos juntos na forma de uma comunidade.E isto se faz a partir de uma irmandade que canta e baila seus hinos em louvor `a Deus , prestando atenção a eles e as visões trazidas pelo Daime. Pois por aí chegam preciosos insigths de autotransformação e realização espiritual.

Como nos tempos passados e como ocorre em todas as tradições, `as vezes somos vítimas dos preconceitos. São estes preconceitos que alimentam a luta entre povos e religiões e que por sua vez acarretam as guerras. É uma força negativa e atrasada que também faz parte do homem e que se opõe ao altruísmo e compreensão espiritual que também deveriam lhes ser natos.De Zaratrusta, cristãos, gnósticos, sufis e cabalistas, de Shakeaspeare até a saga moderna da Guerra das Estrelas, estes dois lados, o Bem e o Mal, sempre interagiram e o homem parece ser um microcosmo deste combate eterno.

Quem vai vencer a guerra? Cremos que inguém.É melhor pensar então que o Bem só vence quando ele realizar a síntese do positivo com o negativo, para que haja luz.Sem esta polaridade e esta tensão, não pode haver luz nem vitória.Daí a importância do dialógo espiritual, presente em todas as tradições verdadeiras que afirmam o amor de Deus e apontam para o mesmo caminho.

Leva tempo para que os setores mais conservadores da sociedade deixem de estar influenciada pela grande confusão gerada pela cultura do conflito e da guerra contra as drogas.Pois ela é capaz ainda hoje de não estabelecer uma diferença clara entre o uso ritual e religioso de um sacramento, prática milenar da humanidade desde seus primórdios e a questão de abuso de drogas,tráfico e bandidagem.

Mas desde que assumimos este desafio e nos apresentamos diante das autoridades e dos especialistas em busca do reconhecimento do direito de praticar nossa religião, não houve quem nos deixasse de dar razão.E a prova disto são nossas vitórias, que hoje nos garante um status de legalidade, de liberdade religiosa, que vai se enraizando no nosso Brasil e também conquistando pela força do bom direito, outros países e continentes.

Por conta deste universalismo da mensagem espiritual dos nossos mestres é que cultivamos muitas alianças espirituais, cultuamos nossos antepassados e as gerações de homens de conhecimenro que nos precederam.Respeitamos muitas plantas sagradas e linhas espirituais que trazem seu testemunho de verdade, acrescentando e somando nesta grande obra.

Mesmo que a nossa linha seja esta e o nosso trabalho tenha como base o Santo Daime, dedicamos um grande apreço `a todas as tradições enteógenas das Américas, da Ásia e da Africa.Respeitamos e sabemos aprender com elas também.

Portanto, só temos a lamentar quando o preconceito e a falta de consciência espiritual se infiltram bem próximo de nós, ou no nosso próprio seio, a ponto de ao invés de nos unirmos e praticarmos um saudável ecumenismo baseado no respeito `as diferenças, vemos em alguns sites pretensamente daimistas manifestações cabais de intolerência, desrespeito e ignorância.

Para estes eu recomendaria ouvirem com atenção o conselho do Padrinho Sebastião quando ele diz que espiritualidade é respeito.Deveríamos respeitar todas as linhas que existem e pesquisar se são verdadeiras e se trazem benefícios.E se trazem, saber usá-las, sempre com este objetivo elevado.

Se tivermos esta coragem certamente estaremos contribuindo para um mundo melhor, uma humanidade melhor e consequentemente estaremos habitando um planeta mais viável do que este de hoje, ameaçado por uma lógica insana que paira sobre todos.

É mais ou menos isso que estamos buscando.E Oxalá Deus nos ajude a continuar nossa batalha no meio da floresta.

Alex Polari de Alverga
Secretário de comunicação



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