Santos e Xamãs
Fernando de La Rocque Couto
A Doutrina do Santo Daime
Parte II - Raimundo Irineu Serra -
Relatos Contemporâneos
A
Doutrina do Santo Daime, podemos dizer, começa a dar os seus primeiros passos com a
chegada do Sr. Raimundo Irineu Serra, na primeira década do século XX, à cidade de Rio
Branco, localizada às margens do Rio Acre e capital do Estado do Acre, na parte ocidental
da Amazônia brasileira.
Raimundo Irineu Serra era um
maranhense, conforme acima, negro, de 1,98m de altura, nascido em São Luis do Ferré
(MA), em l5 de dezembro de l892 e falecido em 06 de julho de l971, na cidade de Rio
Branco.
"No tempo de novo, ele
já não tinha mais pai, era só a mãe e o tio. Um dia, o tio dele perguntou: Irineu, tu
quer casar? Ele disse: Quero. Olha, meu filho, eu vou te dar um conselho, não casa agora
não, vai dar uma volta no mundo e depois tu te casa. Ele gostava muito desse tio e disse:
Vou me embora para o Amazonas. Quando ele chegou aqui, foi parar no Peru para cortar
seringa, com conterrâneos dele, Antonio Costa e André Costa." (A)
Raimundo Irineu Serra veio para
o Acre atraído pela extração do látex da seringueira, no período denominado de
"Ciclo da Borracha", em que se observou um intenso fluxo migratório do
nordestino assolado pela seca em direção aos seringais amazônicos.
"Ele veio do Nordeste
para cá a fim de ficar rico. Quando ele chegou, foi soldado muito tempo (Cabo da Guarda
Territorial), e trabalhou na polícia, também. Mas a bebida mesmo, ele descobriu foi no
Peru, depois que começou a viajar por aí e encontrou uns amigos dele (Antonio e André
Costa). Essas dietas ele fez porque recebeu ordem." (B)
"O Mestre Irineu veio
do Maranhão ainda jovem e ele não sabia da missão que ele vinha desenvolver aqui. Ele
veio trazido espiritualmente pela "Rainha Mãe", para receber essa missão aqui.
Era a época áurea da borracha". (C)
Trabalhando como seringueiro no
Peru, justamente com os irmãos Antonio e André Costa, o Sr. Raimundo Irineu Serra
conheceu a bebida milenar designada como ayahuasca, utilizada imemorialmente pelas
sociedades indígenas da região em seus rituais xamanísticos, e que ele viria a
consagrar mais tarde como Santo Daime, uma bebida sagrada.
A história do surgimento do
Santo Daime ocorre da seguinte forma:
"Quando ele foi tomar
huasca pela primeira vez, disseram que a bebida era arte de Satanás. Ele foi lá, tomou a
primeira vez, a segunda, e quando começou a chegar a miração, ele que era muito
corajoso, começou a chamar Satanás e todos os demônios para virem ajudar ele a ganhar
muito dinheiro, para ele voltar para a terra dele. Aí começou a aparecer cruz, e era
cruz de todo o jeito ao redor dele, que ele começou a desconfiar. Não é coisa do Diabo,
o Diabo tem medo de cruz, e quanto mais eu chamo o Diabo, mais cruz aparece. O Diabo é
só mostrar a cruz e ele sai correndo (risos), aí tem uma coisa diferente." (B)
"Da primeira vez, ele
foi tomar a bebida como qualquer pessoa, por curiosidade. A bebida ficava dentro de uma
lata, e eles tomavam com uma cuia. Um amigo então disse para ele levar um pouco da bebida
para uma pessoa que estava pedindo, atr s da "fumaceira" (casa de defumar
borracha). Quando ele chegou lá, não tinha ninguém, era só espiritual.
Aí foi que veio a
revelação do Pizango para o Mestre Irineu (Crescêncio Pizango?). Crescêncio devia ser
o nome dele mas a entidade era Don Pizango. Ele revelou-se para o Mestre assim: ele se
socou dentro da lata que eles estavam tomando a bebida, e mandou todos olharem dentro da
lata para ver se viam ele lá dentro. Ninguém viu nada, aí o Don Pizango falou para ele:
Olha, só usted vai aprender o tanto que eu aprendi e mais alguma coisa, e ninguém mais.
Essa foi a palavra de Don Pizango para ele; essa entidade que é um guardião responsável
pelo uso da bebida". (C)
"O Antonio Costa
perguntou para ele se ele queria tomar Huasca na quarta-feira e ele respondeu: Huasca, o
que é Huasca?
Huasca é um líquido que a
gente toma e vê muita coisa boa, tudo o que a gente pede para ver ele mostra. Então ele
foi e tomou o dele, sentiu que a coisa era boa e quis ver. Quis ver a terra dele lá no
Maranhão, e prontamente apareceu o Maranhão. Quis ver Belém, e prontamente apareceu
Belém. Nessa noite, todos os países que ele se lembrou, que ele pediu para ver, ele viu.
Olha! ele dizendo com ele mesmo; se for uma coisa boa eu quero levar para o meu Brasil,
mas se não for, eu não levo não". (A)
Relação dos Informantes:
(A) - José Nunes Vieira
(B) - Daniel Serra
(C) - Sebastião Jacoud/Raimundo Gomes
Santos e
Xamãs
Estudos do uso ritualizado da
ayahuasca por caboclos da Amazônia, e, em particular, no que concerne sua utilização
sócio-terapêutica na doutrina do Santo Daime.
Para maiores informações
sobre o texto na íntegra, contate-nos.
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