Site do Centro de Documentação e Memória - ICEFLU - Patrono Sebastião Mota de Melo

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Conclusões

Para compreender o pensamento e a obra espírita de Sebastião Mota, é preciso ter sempre em vista a relação entre a radicalidade da caridade cristã original, do movimento fundado por Jesus, e o que se constitui o seu principal modelo inspirador. Os relatos dos Evangelhos explicam como Jesus enfrentou a oposição, o escárnio e mesmo o escândalo da opinião pública da época por ensinar e curar toda sorte de desqualificados sociais e também pelo fato de se sentar à mesa de marginais, publicanos, prostitutas e pecadores.
 
Da mesma forma agia Sebastião Mota. Sua caridade, por ser tão misericordiosa, parece ainda hoje ultrapassar o limite do senso comum e de certas normas e condutas sociais. Mesmo que essas normas sejam de duvidosa eficácia,(basta ver como elas não conseguem dar conta dos grandes males com os quais se defrontam nossa civilização) a questão ainda assim exige grande atenção. Isso porque o paradigma de nossa sociedade, baseado na apropriação, acumulação, desperdício, exclusão social e falta de solidariedade e compaixão humana, produz graves problemas.
 
E aqueles que têm a sua saúde física, mental ou espiritual atingida por tais problemas e que não têm sucesso em resolvê-los ao nível familiar ou social, vão buscar ajuda nos terreiros e centros espíritas iguais os nossos. Diante deste quadro, qual é o papel do cristão, daqueles que se consideram, nos tempos de hoje, os seguidores do mestre galileu? Entre negar a caridade e ser acusado de charlatão ou irresponsável, de que lado devemos ficar? Se seu jumento cair no poço num sábado você iria até lá tirá-lo?
 
Sebastião Mota respondeu a questão através do exemplo de caridade e com a ousadia que enfrentou os riscos decorrentes do cumprimento da sua missão. Convém frisar que a caridade, sem a qual de nada adianta falar a língua dos anjos, implica em assumir uma pesada responsabilidade. O enfoque espiritual não é convencional, reducionista ou ideológico. Ele implica em assumir a plena liberdade da condição humana, pressupõe confiança e fé na possibilidade do milagre. Milagre que significa se abrir para o outro, entender e partilhar o seu sofrimento e oferecer solidariedade espiritual e humana. Esta é a fórmula primitiva do cristianismo xamânico praticado por Jesus.
 
Tudo isso nos obriga a refletir porque, além da radicalidade cristã, a nossa crença religiosa ainda consagra uma bebida enteógena como sacramento, e o risco de confusão, principalmente com o tema das drogas, dependências e fanatismos, se torna ainda maior. Isso explica, em grande parte, o preconceito e a intolerância com que às vezes somos tratados e as pressões que enfrentamos ao assumirmos o risco de fazer o bem para o nosso próximo em lugares e situações onde não há mais ninguém disposto a fazê-lo.
 
Os ensinos que herdamos de Sebastião Mota partem de pressupostos verdadeiros que acreditamos ser o espírito original da Doutrina Cristã. As atitudes inspiradas por tais ensinamentos dependem mais de uma grande confiança em Deus, em si- mesmo e no próximo, e menos nas convenções, aparências e jogos de poder. A perspectiva não é receber apenas os bons e os certinhos, mas os sujos e os rasgados, para que também eles possam entrar na Casa do Pai limpos e sem pecado.
 
Sebastião Mota era um homem de coragem. Dizia que sem ela não haveria nenhum conhecimento espiritual, nem aquisição duradoura possível para o Ser. Tinha uma força espiritual que o levava a mergulhar profundamente no Daime e em outras plantas de poder que pesquisava, pelo que sofreu alguns dissabores. Disse certa feita: Não sou homem para gelar nesses negócios de qualquer linha. Se for para entrar, entro mesmo. Se é para descobrir os mistérios do mundo, estou aqui é por isso! Também deu provas de coragem pessoal, quando na época que o Daime foi perseguido em Rio Branco, manteve seu trabalho aberto, enquanto outros centros escondiam e mesmo derramavam o Daime com medo de uma intervenção policial. Nessa época, teve várias entrevistas com as autoridades, às quais se refere como o senhor da federal. Certamente apenas a coragem não basta. É preciso também sabedoria para saber compor com o mundo. A história mostra que, mesmo quando está em jogo a defesa de bons princípios, a ingenuidade, a intransigência e o sectarismo às vezes fazem naufragar uma boa causa espiritual, impedindo-a de ter uma fluência duradoura.
 
Portanto, devemos fazer das cobranças e exigências sociais um estímulo e um desafio para o nosso aperfeiçoamento. Importante, também, é a confiança e o diálogo entre todos aqueles que estão sinceramente empenhados em uma solução para a nossa atual crise planetária. É preciso muita sinceridade e união para encontrar uma saída realmente eficaz para a humanidade.
 
Cada vez fica mais claro que a saída passa pelo espiritual. A valorização do pensamento xamânico, dos estudos na área da psicologia profunda e dos estados de consciência alterados relacionados com o êxtase místico, fazem parte da busca de um novo paradigma para nos ajudar a resolver este imenso desafio. Neste sentido é que o resgate do modelo da consciência arcaica representa um fato tão atual quanto necessário. Esperamos de coração que, muitas abordagens do pensamento xamânico dos nossos ancestrais, hoje também preservadas nos cultos enteógenos como o do Santo Daime, possam ser vistos com interesse e compreensão pela sociedade atual e que isso nos ajude a pavimentar a ponte entre a Espiritualidade e a Ciência, em prol do futuro da própria humanidade. Dizia Sebastião Mota: feliz de nós se pudermos ter a consciência de que estamos trabalhando pela humanidade inteira!
 
Quem comprende os ensinos de Sebastião Mota pratica a mesma paciência demonstrada por ele com os espíritos mais atrasados. O que é claramente uma prova de caridade e não de fraqueza.
 
Devemos cumprir, portanto, nossas obrigações e "dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus." Deixando para Ele qualquer decisão mais drástica acerca dos destinos do mundo e do tempo. Não é possível acelerar nem retardar nada. Melhor cumprir nossa obrigação e trabalhar para que tudo dê certo. O mais sensato é, na expressão do Padrinho Sebastião, ser um homem perfeito, assim na terra como no céu. Aspirar à vida eterna e enquanto ela não chega, celebrar a vida com alegria, em comunhão com a natureza. Saber consagrar a vida como sendo a porta já entreaberta para o Reino anunciado.
 
Por muito tempo, Sebastião Mota de Melo teve a esperança de ver a transformação deste Novo Mundo ainda com os olhos da matéria. À medida que a doença no coração piorou, e que tomou consciência de que o seu povo ainda estava longe de corresponder às suas metas, é que ele começou a dizer que iria nos esperar do lado de lá. Mas nunca perdeu a fé na nossa capacidade de ser um povo acordado e preparado para receber o seu Deus.
 
E como disse seu filho Alfredo, ele pôde se ausentar de sua vida corpórea com bastante serenidade e consciência do que fez e para onde estava indo nos esperar. Enquanto isso, por aqui, também estamos esperando pelo dia do auspicioso encontro. E tanto faz que ele ocorra na hora que estiver marcada para cada um de nós, ou que se realize coletivamente a galope dos vertiginosos eventos escatológicos anunciados pelos profetas. De um jeito ou de outro, precisamos adquirir conhecimento ainda em vida para renascermos e não nos tornarmos um aborto.
A mensagem deste pequeno Evangelho certamente será útil para muitos que sequer conhecem o Caminho do Daime. Mas, particularmente para os daimistas, ele exige o desafio extra do testemunho. Sebastião Mota falava com cada vez mais freqüência, já no final de sua vida: o Daime precisa é de homens que se busquem e se corrijam.
 
É esta a responsabilidade que os buscadores terão que enfrentar para responder através do próprio testemunho. Dizia Sebastião Mota: Sempre falo pra que cada um entre no caminho reto, pra não me andar fazendo vergonha lá na frente. Se eu faço um caminho e o meu próprio companheiro vem metendo pau na frente, tapando, ele não é meu companheiro. Ele está fazendo desordens mas eu não ensino assim, porque Deus não me ensina assim. Deus me ensina para que eu seja um homem Nele para que Ele seja em mim. Por causa do tropeço, da dúvida e do medo é que o homem carnal perde seu Eu Superior. Torna-se um aborto que a terra vai ter.
 
E arrematava: A terra só dá batata, mas a espiritualidade é uma coisa linda!
 
Céu do Mapiá, 22 de abril de 1998