A Questão da Sustentabilidade e Legislação Ambiental
No início, a rapidez do processo de expansão fez com que, por um momento, a demanda das novas igrejas superasse a nossa capacidade de descentralizar os plantios e sustentar este ritmo de crescimento da produção da bebida sacramental.
Apesar do nosso esforço e investimento nos plantios dentro e fora da Amazônia, durante um tempo tivemos que contar principalmente com o que era produzido nas nossas comunidades amazônicas, para o abastecimento das igrejas das outras regiões do pais.
Casa de Feitio na Comunidade Céu da Montanha em Visconde de Mauá (RJ)
Para facilitar a produção e os custos, o Santo Daime era estocado e transportado em grandes quantidades para o abastecimento semestral e as vezes anual das filiais. Juntamente com ele, era enviado também uma quantidade de material in natura para ser processado nas demais casas de feitio, atendendo a necessidade de complementação de estoque e de instrução espiritual, requerida pelas irmandades locais. O material era manejado dentro das regulamentações previstas na época, como as ATPFs.
Em 2006, a legislação foi modificada, com a entrada em vigor da Instrução Normativa nº112. Por este novo diploma legal, as ATPFs transformaram-se em DORFs. Com as mudanças ocorridas, as autorizações para a extração das espécies vegetais sacramentais saíram do âmbito do IBAMA e passaram para o âmbito das autoridades estaduais de meio ambiente. Os controles também passaram a ser menos restritivos, na medida que não havia risco de extinção das espécies utilizadas para o preparo da bebida sacramental.
Mesmo assim, ainda durante o ano de 2006, nas reuniões plenárias do GMT/CONAD , aprovou-se uma menção no sentido de se estabelecer uma regulamentação específica sobre as espécies vegetais sacramentais. Inicialmente pensou-se em levar o assunto ao CONAMA-Conselho Nacional do Meio Ambiente. Em nova reunião do GMT, já no ano de 2007, deixou-se o assunto em aberto para ser debatido no âmbito das entidades ayahuasqueiras, junto `as Secretarias e Conselhos Estaduais do Meio Ambiente.
Continuamos nos adequando aos ditames da lei, sempre em contato com os órgãos fiscalizadores e acompanhando as reuniões das entidades religiosas neste sentido.
No Acre, as entidades, depois de uma proposta um tanto restritiva em relação a coleta, aprovaram recentemente uma portaria que passou a vigorar neste Estado. Esta proposta corresponde mais a realidade dos centros pequenos e médios .
Como a grande maioria do nosso movimento ocorre no Estado do Amazonas, levamos a questão até o ministro do Meio Ambiente. Posteriormente mantivemos audiências com a presidência do IBAMA e o ICMBio. Eles agendaram uma reunião com o IPAAM e o gerente do IBAMA/MANAUS. Nesta ocasião foi sugerido a transferência o nosso cadastro do IBAMA para o IPAAM em Manaus.
Neste mesmo encontro, realizado em meados de 2008, ficou acertado que todo material para a confecção do sacramento proveniente da FLONA seria autorizado pelo chefe da unidade de conservação . E que, em outras áreas do Estado, deveríamos apenas comunicar periodicamente aos órgãos competentes a realização das operações de coletas e informar a origem e a quantidade do material coletado. Estas gestões estão amplamente documentadas nos diversos ofícios enviados por nossa diretoria e as propostas debatidas por nossos representantes junto a chefia destes órgãos.
Pretendemos que, com o incremento dos plantios fora da Amazônia, esta situação de ainda relativa dependência do material coletado no Amazonas inverta-se a curto e médio prazo. Mesmo levando em conta este quadro, o material originário do Amazonas utilizado nos últimos cinco anos em nossos feitios tem sido retirado, na sua grande maioria, dos nossos próprios plantios de reposição. Somando-se a isto, muitas igrejas de outras regiões do pais já alcançaram o patamar da sustentabilidade e produzem o seu próprio Santo Daime, sem depender da produção proveniente da Amazônia.
A alguns anos fizemos um plano de manejo e de reposição das nossas espécies sagradas. Atualmente estamos utilizando prioritariamente o material provenientes destes replantios. Segundo atualização recente de nossos estoques, realizada pelo nosso setor de reflorestamento, contamos hoje com aproximadamente 15.000 indivíduos em ponto de corte, apenas na nossa sede do Amazonas..
Tínhamos uma reserva bem maior a cerca de seis anos atrás. Mas como durante este tempo, praticamente deixamos de retirar o cipó do seu habitat nativo para utilizar este cipó plantado, apresentamos esta baixa de estoque, ainda que ela seja plenamente satisfatória em termos de sustentabilidade. No momento estamos lançando uma grande campanha de renovação e reposição das espécies e aprimoramento do nosso banco de genoplasma.
Além deste levantamento, contamos ainda com os plantios nas comunidades do Juruá e nos diversos “reinados” das demais igrejas fora da região amazônica, objeto também de prioridade em nossos planos de reposição. Quanto aos folhais, contamos, só na região amazônica com mais de 1000 pés cultivados. (Mapiá, Fazenda e outras igrejas). Já há alguns anos temos sustentabilidade em termos de folha e não fazemos mais coleta na floresta.
Levando em conta os índices de produção da bebida na região amazônica de 2004, (quando tivemos inclusive um caminhão de abastecimento apreendido e posteriormente liberado), podemos constatar uma mudança bastante significativa, que já pode ser creditada a esta prioridade na busca de sustentabilidade local. Naquela época a maior parte de nossa produção era feita nas comunidades da floresta para abastecimento de todas as igrejas. Atualmente nossa produção total deve está em torno de 8 000 litros / ano e mais da metade deste total é produzido nas igrejas fora da região norte (principalmente no sudeste) com quase a totalidade do material fruto dos plantios de reflorestamento nestas regiões. A única exceção são alguns feitios de instrução onde enviamos algum material nativo para completar o material local.
Convém frisar aqui um dado muito significativo e que precisa também ser levado em conta quando falamos da questão ambiental e da sustentabilidade do nosso sacramento. Trata-se da evolução do nosso sistema de cozimento, iniciado desde o tempo do padrinho Sebastião e posteriormente aperfeiçoado pelo Padrinho Alfredo Gregório e sua equipe de feitores . Através dele, obtemos uma média de até 30 litros ou mais por panela.
Portanto, entre todas as demais tradições, talvez a igreja do ICEFLU seja a que mais evoluiu no sentido do aperfeiçoamento e incremento da produtividade na produção da bebida sacramental. Isto ameniza, de forma considerável, os problemas ecológicos de sustentabilidade oriundos da expansão e do crescimento. E confirma o princípio de que o valor espiritual da bebida e o seu efeito não está associado apenas aos critérios mensuráveis do seu princípio ativo.