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Resposta da antropóloga Beatriz Labate à revista "VEJA"

"...apropriando-me das palavras do autor: "dai-me, dai-nos, paciência"... para aguentar a leviandade através da qual alguns se julgam no direito de rotular e difamar as práticas religiosas minoritárias e de origem popular."

sobre o assunto:

Editorial Alex Polari

Sobre a notícia

Resposta do General Cardoso

Com enorme surpresa e indignação li a matéria O Barato Legal. Ela é tendenciosa e possui um tom gratuitamente irônico e pejorativo. Mas pior: faz uma série de afirmações incorretas, dos detalhes aos pressupostos mais amplos. Sou antropóloga e recentemente defendi minha dissertação de mestrado na UNICAMP justamente sobre a expansão do uso desta bebida de origem amazônica para as metrópoles do centro-sul do país.

Em primeiro lugar, após três longos anos de investigação exaustiva pelos subterrâneos da cidade de São Paulo em busca de usos "alternativos" e "liminares" do vinho considerado sagrado, não constatei um ambiente sequer onde ocorra um uso não ritualístico da ayahuasca, uma forma de consumo desregrada e livre desta substância, "como uma droga qualquer". Ao contrário, a pesquisa verificou que os usos mais recentes da bebida vêm ocorrendo sempre no interior de um conjunto de símbolos religiosos, padrões, regras e limites amplamente instituídos. Tais rituais fazem parte de uma verdadeira cultura ayahuasqueira, que está ligada a nossas matrizes religiosas (as antigas tradições indígenas amazônicas, os conhecimentos populares dos seringueiros, o esoterismo europeu, os cultos de origem afro, além das mais recentes interfaces com as religiosidades urbanas, como por exemplo com o movimento new age). O consumo religioso da ayahuasca representa, pois, mais uma rica e criativa contribuição da cultura brasileira, sendo um fenômeno que merece atenção e respeito.

Em segundo lugar, a reportagem, ao sugerir que o governo "faz vista grossa" com relação ao problema, omite com má fé o longo processo através do qual a situação legal atual de consumo da ayahuasca consolidou-se. Entre 1985 e 1987 o CONFEN suspendeu o consumo da bebida e institui um grupo de pesquisa multidisciplinar que estudou sistematicamente o "alucinógeno" e seus "usuários", tendo chegado a conclusão de que o seu uso não representava perigo ou ameaça à ordem pública ou à saúde do indivíduo. Em 1992 foram feitas novas denúncias e foi reaberto o processo, o tema sendo estudado novamente. Outra vez, a comissão reafirmou seu parecer anterior. O relatório sugeriu, como antes, que o processo pode e deve ser revisto diante da alteração do atual quadro. Neste caso, se a reportagem oferecesse alguma informação concreta, nova, poderia, de fato, estar contribuindo para a discussão do problema. Mas o autor chove no molhado. E, erra e confunde, também, ao afirmar que o chá é exportado para São Paulo "sob o nome vago de ‘chá medicinal’". A ayahuasca é devidamente qualificada e transportada através de papelada regulamentada pelo IBAMA.

Em terceiro lugar, sugere-se irresponsavelmente em legenda sensacionalista ("quando a religião faz mal a saúde") que a ayahausca é prejudicial à saúde humana, fato até o momento não comprovado por nenhuma pesquisa de cunho científico (nem mesmo por aquela citada na reportagem!). Ao contrário, o consenso entre todos os estudos biomédicos realizados até o momento é que a substância não causa dependência física nem psicológica. Não há registrado um caso sequer de "surto psicótico seguido de morte súbita". De onde vem esta informação?!

Ainda: porque tomar as crenças alheias como "lorotas"? (Uma narrativa pode ser sempre manipuladora: "guru bebe álcool para supostamente sentir Deus" em lugar de "padre celebra a missa".) Ou seja: o outro, o diferente, é sempre o fanático, o louco, aquele que segue uma "seita" ao invés de uma "religião". Enfim, apropriando-me das palavras do autor: "dai-me, dai-nos, paciência"... para aguentar a leviandade através da qual alguns se julgam no direito de rotular e difamar as práticas religiosas minoritárias e de origem popular. Na década de 30 houve perseguição contra a umbanda; hoje, o vilão da moral e dos bons costumes é outro.

BEATRIZ CAIUBY LABATE


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