Nossa
doutrina nasceu na floresta, no meio de sua gente simples.
Desde aquele tempo, o Padrinho Sebastião era seu
comunicador nato. Ninguém resisistia ao seu carisma
e ao seu charme. Principalmente se a gente tinha disposição
para acordar de madrugada e acompanhar diante do bule de
café fumegante a prosa fluente e viva que combinava
histórias dos tempos heróicos da seringa,
pescarias e caçadas, com profundos ensinamentos espirituais.
O Padrinho nos cativava com as suas histórias. E
foi graças a este impacto de amor no coração
de cada um que o povo foi chegando. Alguns vieram de longe
e quiseram ficar. Outros vinham , voltavam e traziam mais
gente. O velho estava sempre lá na varanda, atendendo
pessoalmente quem chegava e se despedindo dos que iam embora.
Com a mesma atenção recebia a maior autoridade
ou o ribeirinho mais doente e lascado da beira do Purus.
Alojava os visitantes nas casas, cuidava do rancho e abria
trabalhos de cura se este fosse o pedido.
Quando o pessoal ia embora , se ele não estivesse
doente, lá estava perguntando sorridente: “E
aí fulano, quando volta?”O outro respondia:
“Ah Padrinho, se Deus quiser, no próximo ano
no Festival de São João eu estou aí.
Sebastião Mota era um homem de palavra. Fazia parte
do seu modo de ser confiar também nas palavra que
os outros diziam, até prova em contrário.
Por isso, quando estávamos na varanda de casa grande
ao entardecer, de repente ele olhava para o igarapé
e para o relógio. Alguém perguntava: O que
o sr tanto olha, padrinho?”Ele respondia : “Ah,
o fulano disse que ia chegar
hoje!”
Nessa época, quando ainda não existia telefone
e Internet. Tudo era difícil. Nossa comunicação
dependia básicamente do compromisso com a nossa própria
palavra. Era isso que o velho Mota nos incutia sempre. E
foi dessa forma que ele foi nos cativando e a doutrina se
comunicando e expandindo.
Neste tempo o Padrinho Alfredo iniciou suas viagens ao sudeste
do país e os contatos ficaram regulares. Sempre vinha
gente trazendo cartas e presentes. O sistema de comunicação
mais avançado nesta época era a velha fita
cassete. Ela chegava por alguém que viajava mais
de uma semana pelo igarapé e era ouvida na varanda
da casa grande. Pela fita se mandavam as notícias
das nossas igrejas, se pediam as bençãos aos
padrinhos e se mandavam as lembranças para todos
os membros desta grande família.
Com o tempo, as coisas foram evoluindo e a grande família
foi crescendo. O Daime enfrentou muitas lutas e a gente
teve que aprimorar muito a nossa comunicação.
Os laços familiares se transformaram e deram lugar
também aos laços institucionais. Anualmente
eram realizados os encontros com todas as igrejas e os grande
feitios. As máquinas de escrever que já estavam
ficando obsoletas diante da nova geração dos
micros, era a nossa tecnologia de ponta. Aproveitando o
fluxo cada vez maior de visitantes, os malotes iam e vinham,
regularizando a comunicação entre o Mapiá
e as diversas igrejas que tinham se multiplicado no país
e que comecavam a se desenvolver nos outros países.
Por volta de 1995 tivemos um grande upgrade quando conseguimos
um velho rádio que ligava nosso escritório
recém inaugurado, com um outro rádio no recém
comprado Hotel Floresta, nossa base logística em
Boca do Acre.
O velho rádio gemia, engasgava, distorcia mas até
que comunicava. Seu grande avanço era a gente poder
prever o tráfico das canoas, mandar recados para
rua e ditar telegramas que eram retransmitidos por telefone
da cidade. Mas ele era mais usado para fazer os pedidos
de compra no armazém do Gilberto. O nosso áudio
não era ainda um som digital ou de MP-3 e `as vezes
havia alguns enganos. Eu. Lúcio, Enio. Lulu, Mauro,
Luis Fernando, Fernando Ribeiro, se revezavam: “Alô
alô Céu do Mapiá chamamdo! Atenção,
a Silvia quer alho, câmbio”. Ruídos,
interferência. Resposta: “Entendido, estamos
mandando um baralho, câmbio”…
O velho rádio terminou entrando em pane nos meados
de 1996. Foi por aí que comecamos a desenhar um novo
projeto institucional para o nosso movimento. Ele previa
uma separação institucional entre o trabalho
social e ambiental do Cefluris e as atividades religiosas
da Igreja. Fizemos um grande encontro em Mauá em
1997 para aprovar esta reforma. Pela primeira vez apareceram
os primeiros laptops secretariando nossas reuniões.
Foi ainda no final deste ano que iniciamos o nosso site
oficial do Santo Daime, operado pelo Jose Murilo lá
em Brasília. Em 1999 refizemos o site com a roupagem
que ele tem ainda hoje.
No ano de 1998, com o apoio da Fundação Friends
of Forest (atual Healing Fource), obtivemos recursos para
um projeto de telecomunicações e de radiotelefonia.
Uma grande antena foi montada no Céu do Mapiá
e uma outra em Boca do Acre e iniciamos uma nova era na
nossa comunicação. Era possível agora
ligar para todos os lugares do mundo. Ou quase todos, quando
as condições atmosféricas permitiam.
`A tarde sempre havia uma fila de moradores e visitantes
para falarem com seus familiares e amigos.
Foi
a partir dessa época que começou também
uma nova fase na história do Céu do Mapiá
: o início das atividades da rádio Jagube
e a do seu maior símbolo, nosso querido e saudoso
Lúcio Mortimer . Pontualmente após a transmissão
da Oração ao vivo, Lúcio tomava os
microfones e anunciava a entrada no ar da” rádio
Jagube, a voz da integração mapiense”.
Em todas as casas os rádios eram ligados. O Ibope
só caiu muito tempo depois, quando a televisão
chegou.
Tudo tinha começado de um equipamento doado pelo
irmão Félix de Barcelona. E que depois foi
ampliado com o projeto do IDA de telefonia e energia. Depois
que o Lúcio ficou doente e se afastou do seu Mapiá,
a rádio continuou graças ao trabalho abnegado
de Roberto e da Fátima Santágata. E também
de outros, como a Lúcia Arruda e o Oswaldo mais recentemente.
No início de 2001, conseguimos implantar o plano
de expansão telefônica rural. Inicialmente
foram os orelhões comunitários e depois, as
linhas residenciais.
Em fevereiro de 2002 iniciamos a conexão via Internet
discada. Mas a medida que cresceram o número de linhas
particulares, esta conexão foi perdendo a velocidade
e se inviabilizou.
Partimos para novas iniciativas , que deram origem a implantação
da nossa atual conexão satelital. Estamos com um
telecentro montado dentro da rede GESAC para trabalhar com
inclusão digital, com o apoio da ong Guardiões
da Floresta e também prestes a instalar mais uma
antena do IDA/CEFLURIS para atender a nossa demanda institucional.
Concluindo toda essa evolução e progresso,
estamos no momento recebendo uma doação de
recursos técnicos através do nosso irmão
Jorge Perez da Espanha. Através de sua empresa, iniciamos
um projeto visando formar uma grande rede mundial para abrigar
nossos sites, acervos, centro de documentação,
rádio, banco de dados e e-mails, sob o domínio
Santo Daime.Net. Este é justamente o passo que estamos
dando . E cujo primeiro resultado concreto é esta
matéria, totalmente editada por nós aqui dentro
da floresta.
Este é o nosso grande desafio do presente. E para
que isto se realize, temos que voltar `as lembrancas do
bom Padrinho Sebastião, esperando da varanda os afilhados
chegarem. Pois a resposta a este desafio significa pensar
melhor a integração e o equilíbrio
entre essas tecnologias maravilhosas que já dispomos
aqui na selva com a crença na verdade de cada um
, `a exemplo do nosso bom Padrinho Sebastião.
Pois esta é a força sincrética e eclética
e ética desta doutrina da floresta. Esperamos que
esta união em torno deste objetivo seja o prenúncio
de um novo tempo, onde poderemos cada vez mais levar nosso
trabalho espiritual, social, ambiental, nossa cultura, nossas
obras, para todos os rincões desta vasta aldeia global.
Céu do Mapiá, 10 de julho de 2004
Alex Polari de Alverga
secretário de comunicação do IDA/CEFLURIS
editor do site www.santodaime.org