Notícias sobre a Doutrina
Nº 1571 - 10 de novembro de 1999
Luz no horizonte
O físico Patrick Druot, que já vendeu um milhão de livros sobre
xamanismo, saber de culturas ancestrais, diz que vêm aí boas mudanças
Foto: Clarice Meireles
Pesquisa - Druot procurou nos
Xamãs
o que não achou na ciência
Patrick Druot, 53 anos, pós-graduado na Universidade de Columbia,
consegue enxergar a virada do milênio com um otimismo contagiante, apesar do quadro de
guerras, desemprego e desigualdade social. Ele arrisca dizer que nos espera um tempo de
mais tolerância, compreensão e amor. Esse otimismo é resultado de 20 anos de
experiências com expansão da consciência e contatos com culturas antigas. Nesse
período, conviveu com tribos indígenas e aborígenes na América do Norte e na Oceania,
onde estudou o trabalho dos xamãs, líderes espirituais conectados com a natureza.
Segundo Druot, em breve ocorrerá uma mudança porque as pessoas buscam cada vez mais
respostas espirituais para dar sentido à existência. "Acho que o Brasil terá um
papel importante neste despertar", ele anuncia. Até os 35 anos, ele mesmo acharia
graça no que acredita hoje. De família católica, deixou de ir à missa aos 15 anos para
tornar-se um cético convicto. Foi depois de se pós-graduar em Física que começou a ter
contato com o fenômeno da expansão da consciência e especializou-se em Terapia de Vidas
Passadas (TVP), que pesquisa e pratica no Instituto de Pesquisas Físicas e da
Consciência, em Paris. "Essas experiências me reconectaram a Deus." Quanto a
frequentar uma igreja, ele diz: "Sim. Uma floresta, uma praia, o mundo todo é uma
catedral." Em sua sétima visita ao Brasil, para dar workshops sobre vidas passadas e
lançar seu quinto livro, O físico, o xamã e o místico (Editora Nova Era), ele
deu esta entrevista.
ISTOÉ O que é um xamã?
Patrick Druot É uma pessoa investida de dons de profecia, dons de
cura, de percepção a distância. Os xamãs dizem que os primeiros professores nos tempos
antigos eram as plantas e os animais. Eles foram os primeiros líderes religiosos, os
artistas, os médicos. Sua herança enorme influenciou, milênios mais tarde, as primeiras
religiões organizadas. Cristianismo, budismo, taoísmo, tudo isso tem origem xamânica.
ISTOÉ O que levou um físico como o sr. se interessar
pelo tema?
Druot Há 20 anos, comecei a me interessar pelo que se costuma
chamar de estados alterados de consciência. Conhecia-se a atividade da superfície do
cérebro, mas nunca explicaram como ele funcionava e o que o fazia funcionar. Durante
muitos anos, me interessei pelo fenômeno da vida antes do nascimento e tentei entender
onde essa memória estava gravada. A ciência não respondia a essas indagações, então
comecei a estudar diversas tradições orientais: as escolas de ioga, o budismo e, como
morei dez anos nos Estados Unidos, trabalhei e vivi com índios americanos. Conheci suas
cerimônias e seus rituais de cura e me interessei pela origem desses estados de
consciência. E aí foi preciso voltar mais de 20 mil anos, ao tempo dos primeiros xamãs.
Foram eles, no período paleolítico superior, os primeiros a passarem para o outro lado e
a explicar como era estruturado o mundo xamânico.
STOÉ O xamanismo faz parte da história de todos os
povos?
Druot Sim. O termo xamã foi adotado pelos antropólogos para
definir todos os representantes religiosos e seres particulares de todas as raças. O
termo tem origem siberiana. Saman, quer dizer aquele que sabe, aquele que é. Na
tradição xamânica mundial, os xamãs são aqueles que vêem o mundo como um composto de
três mundos. Um físico, povoado pelos espíritos da natureza, um mundo subterrâneo e um
terceiro, sublimado. Em todos os grupos, seja na Sibéria ou na Nova Zelândia, as
tradições sempre batem: são três mundos ligados por um eixo central. A imagem varia.
Pode ser uma corda, uma escada, uma montanha. O dom do xamã é viajar pelo intermundo, ao
longo dessa corda que atravessa os três mundos.
ISTOÉ Em seu livro, o sr. afirma que a ciência moderna
ainda não distingue psicose de despertar xamânico. Por quê?
Druot Há um psiquiatra inglês que diz que o sábio e o
psicótico estão no mesmo oceano. Mas enquanto o sábio nada, o psicótico se afoga. Eles
têm percepções idênticas, mas o psicótico não sabe ordenar o saber. Até o
fim dos anos 50, a ciência pensava que o xamã era um esquizofrênico. Foi preciso que o
antropólogo francês Claude Lévi-Strauss afirmasse que eles sabiam exatamente o que os
xamãs faziam e que havia uma lógica em seus rituais. Não eram selvagens porque moravam
na floresta, era o mundo deles.
ISTOÉ O que é a física xamânica?
Druot Eu queria saber como o xamã viajava pelos três mundos,
onde estão esses mundos. Em física, sabemos que o universo é feito de vibrações.
Supus que o xamã era capaz não apenas de se projetar num mundo de vibração, mas de
mudar essa vibração. Na física quântica, diz-se que tudo está ligado ao chamado
tecido subjacente do universo. No mundo do xamanismo dizem que estamos todos ligados. Os
celtas e os druidas viam o mundo como uma teia de aranha tridimensional. Se puxarmos um
pedacinho aqui, toda a teia vibra. Em física quântica diz-se que o universo está ligado
por cordas supersensíveis. Para mim, havia uma ligação entre o xamanismo e a física
quântica porque ambos trabalham com vibrações, oscilações, sons. E os xamãs sabem
disso. Foram os primeiros físicos da história.
ISTOÉ Por que as tradições xamânicas são apenas
orais?
Druot Nossa cultura ocidental privilegia o lado esquerdo do
cérebro, lógico, racional, ligado ao tempo linear. E também é ligado à palavra
escrita. Esse tipo de tradição xamânica funciona principalmente no lado direito do
cérebro, ligado à tradição oral. No Taiti, encontramos os sacerdotes maoris que
conservam a tradição do povo. Eles são capazes de contar a história de 20 gerações
de sua família. Levam-se de 30 ou 40 anos para aprender a tradição oral, mas nada é
deformado. É o mesmo motivo pelo qual a maioria dos povos tradicionais não acredita em
reencarnação. Eles não têm a mesma concepção de tempo, que não é linear para eles.
Esses povos vivem o agora.
ISTOÉ E o que o sr. acha?
Druot Buda tem uma boa resposta. Ele disse que não se pode dizer
que existe, mas também não se pode dizer que não existe. Conheço um número enorme de
pessoas que tiveram experiências de vida anterior. Não podemos provar cientificamente,
mas há muitas evidências. E o potencial terapêutico da regressão é impressionante.
Muita gente passa por diversos médicos sem conseguir se curar e, com duas ou três
sessões de regressão, descobrem-se os motivos da doença e ela passa. Funciona em cerca
de 80% dos casos.
ISTOÉ Ainda há muitos xamãs hoje?
Druot Com o expansionismo branco, a partir do século XVI, essas
culturas tradicionais foram proibidas e seus territórios foram tomados. Nos Estados
Unidos, o xamanismo desapareceu quase totalmente. Nos anos 60, no entanto, os índios
americanos começaram a resgatar antigos ensinamentos. Só em 1978 o presidente Jimmy
Carter assinou o American Indian Religious Freedom Act (lei da liberdade religiosa
indígena). Atualmente, muitos americanos com problemas psicológicos vão se tratar com
os índios. Esses xamãs são inacessíveis, não falam facilmente. Encontrei um xamã
maori na Polinésia que disse: "Vocês tiraram nossa língua e nossa cultura e nossos
filhos não falam mais taitiano. Não vamos ensinar nossas tradições." É um
trabalho muito lento. Levamos muitos anos. Só se você começa a pensar com o lado
direito do cérebro, consegue se comunicar com eles.
ISTOÉ É possível desenvolver o lado direito do
cérebro?
Druot Sim. Mas leva algum tempo. Porque o mundo ocidental faz
parte de uma cultura do lado esquerdo, enquanto os povos tradicionais têm uma cultura do
lado direito. O ideal não é usar apenas um dos lados, mas conseguir sincronizar os dois.
Viver no mundo material, mas com uma percepção diferente. Dessa maneira, o mundo
torna-se um teatro mágico. Quando o lado esquerdo pára de bloquear, pode-se ir ao mundo
dos sonhos. O escritor mexicano Carlos Castañeda já contava em seus livros como aprendeu
com um xamã mexicano a ir ao mundo dos sonhos e disse que é tão real quanto este aqui.
ISTOÉ Como foi a sua experiência com o Santo Daime?
Druot Não era o Santo Daime que me interessava, mas a ayahuasca
(planta que produz um chá alucinógeno utilizado pela seita amazônica). Mas eu não
tinha contatos diretos. Não se pode ir à floresta buscar a planta sozinho. Em 1994, meu
antigo editor brasileiro fez um contato com Alex Polari, um dos líderes da seita em Céu
do Mapiá. Tenho respeito pelos rituais, pela igreja, mas não participei. Disse desde o
início que me interessava pela planta que, no princípio, era uma planta xamânica. Em
abril de 1995, eu e minha mulher, Liliane, passamos duas semanas na floresta e fizemos
muitas experiências sob o efeito da ayahuasca. O cérebro funciona de forma totalmente
diferente. Tudo se abre. Você pode ver espíritos, as auras. Fizemos até contato
telepático. Por três ou quatro minutos, soubemos exatamente o que o outro pensava.
Sentia e via a Terra respirar, num movimento claro. Tudo se organizava em fractais.
ISTOÉ De que serviu a experiência?
Druot A ayahuasca é usada para propósitos religiosos, alguns
usam para curar, tirar pessoas da dependência de drogas, álcool. Mas em minha opinião,
é muito mais do que isso. Acho que ainda não se sabe usá-la para conhecer o outro e a
si. Com ela, se poderia descobrir muito sobre as causas de doenças físicas e emocionais.
Essa experiência provou o que estudei por 15 anos: só utilizamos uma parte mínima do
cérebro. Não tomamos mais a planta, mas ainda temos algumas vibrações e percepções
que vêm dela. Não vemos mais uma floresta como antes. Nosso contato com a terra foi
modificado. Há uma percepção mais aguçada. Traz sentimentos de tolerância, de
respeito e de amor.
ISTOÉ É possível passar por este tipo de experiência sem a
ayahuasca?
Druot Talvez. Eu já tinha percepções desde 1985, estimulando
uma visão vibracional. Há um campo magnético ou vibracional que circunda todas as
coisas vivas, até nós mesmos. E tudo o que acontece com você está escrito neste campo.
É uma técnica. Tem de ser feito com sons, sobretudo com tambores, que são os batimentos
cardíacos do criador. Quando se está em sincronia com uma batida de tambores, é
possível fazer a viagem. Passei por essas experiências com os índios do Canadá, nas
ilhas do Pacífico, nos EUA. O uso de plantas é específico da América do Sul e Central,
onde se usa o peiote.
ISTOÉ A experiência é similar?
Druot A ayahuasca é mais imediata ao abrir as portas psíquicas,
as portas da percepção. É como se o cérebro se abrisse. Tecnicamente falando:
normalmente, vemos o mundo através de nossos olhos. Mas não vemos como o cérebro vê. O
olho é um instrumento de análise de frequência, como o ouvido. Isso só foi descoberto
nos anos 60. Isso significa que vemos e escutamos através dos olhos, mas não é como o
cérebro vê e escuta. Com a ayahuasca, você vê e escuta como o cérebro. É uma
percepção holográfica do mundo. Porque o cérebro é um holograma. Ele se abre para
você. Mas acho que não se pode tomá-la de qualquer jeito, é preciso uma boa
orientação, alguém que te ajude a passar pelos vários estágios da ayahuasca. E
também é preciso estar junto à natureza. Não acho cabível tomá-la num lugar fechado,
por exemplo. O que acontece é que a planta abre todos os canais, as pessoas vêem cores,
caleidoscópios e ficam felizes. Mas é muito mais do que isso.
ISTOÉ Como o sr. se preparou para a experiência?
Druot Antes de tomar a ayahuasca, estudei o trabalho de um
etnofarmacobiologista da Finlândia, desenvolvido durante seis anos. Eu sabia que não
havia efeitos colaterais nem risco de dependência.
ISTOÉ O sr. sentiu medo?
Druot Sim, porque nunca tinha tomado nada parecido na vida,
nenhuma outra substância alucinógena. Não sabia exatamente o que esperar. Quando
comecei a sentir os efeitos, me senti mais confortável, entendi o que a planta me
ensinava.
ISTOÉ O sr. acha que há hoje uma maior abertura do
mundo ocidental para estes ensinamentos?
Druot Sim. Em 15 anos, vendi um milhão dos meus cinco livros, e
recebi cerca de 60 mil cartas. Acho que estes números podem ser tomados como uma prova de
um interesse crescente. As pessoas querem saber quem são, qual o seu lugar no mundo. Não
somos robôs, somos seres humanos. Entre muitos povos índios, o próprio nome do povo
significa seres humanos, como os cheyenes americanos. No Havaí, os locais chamam os
brancos de haoles, que significa os que são mortos por dentro. Eles dizem que não
estamos vivos, porque não estamos conectados com os espíritos e a natureza.
ISTOÉ A que o sr. atribui esse interesse?
Druot No século XVII, houve dois gênios que criaram os
fundamentos da ciência moderna: René Descartes e Isaac Newton. Eles começaram a
explicar muitos fenômenos que não se explicavam antes, mas o problema de suas visões
foi ver o ser humano como uma máquina, um relógio. Desprezaram a consciência e o
espírito. A ciência se pulverizou. Olha-se apenas o corpo, não o espírito. Acho que o
terceiro milênio trará a reunião de tudo. Os xamãs dizem que as doenças entram quando
a pessoa está separada dela mesma e do mundo. Os índios navajos americanos têm um
sistema médico que reconecta a pessoa a ela mesma e ao universo. Agora, há na
Universidade de Medicina de Phoenix, no Arizona, um departamento intercultural com xamãs
navajos e médicos americanos, que tentam entender como eles curam pessoas desenganadas de
câncer, por exemplo.